MATÉRIA DE CAPA
Abatendo a dor contínua
REPORTAGEM DE Jéssica Feiten
CAPA: MPT/PR
Longamente discutida e aguardada, a NR 36 desenha um cenário mais sadio e seguro ao estabelecer requisitos para a prevenção de riscos no setor de abate e processamento de carnes e derivados
Quando se analisam os números de produção e exportação de carnes, o panorama econômico do Brasil é altamente favorável. Líder exportador mundial, com 1,52 milhão de toneladas comercializadas somente no ano passado, segundo levantamento recente do USDA (United States Department of Agriculture), o país supera concorrentes como Índia e Austrália ocupando o topo do ranking. No mesmo período, bateu recorde de receita com US$ 5,77 bilhões, 6,8% a mais que o recorde anterior alcançado em 2008, aponta um cálculo da Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes). Até 2020, 44,5% da demanda de carnes em todo o mundo poderá ser suprida pela produção nacional, estima o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Os números são ainda mais impressionantes se for considerada a produção para consumo interno, uma vez que o volume exportado representa cerca de 25% do total produzido. Dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em março deste ano, mostram que no acumulado de 2012 foram abatidas 31,1 milhões de cabeças de bovinos, 35,9 milhões de suínos e 5,2 bilhões de unidades de frangos. A curva ascendente da produtividade é mais acentuada no comparativo entre 2003 e 2012: em um curto espaço de 10 anos, o abate de gado cresceu 44%; de porcos, 59,3% e de aves, 62,5%.
A pujança do segmento pode ser atribuída a inúmeros fatores. Alguns deles chamam atenção especialmente a partir da década de 2000, quando o Brasil se consolida como potência na produção e exportação de carnes. Investimentos em automação industrial, aceleração do ritmo de trabalho, baixo custo de mão de obra e a pressão cada vez maior por produtividade reconfiguram o processo industrial visando uma disputa de mercado feroz, sem, no entanto, prever a reorganização do trabalho dentro desta nova realidade. A atividade no setor que, por si só, já expunha o trabalhador a diversos riscos ocupacionais acaba se tornando muito mais prejudicial, na medida em que as cobranças aumentam e as ações de saúde e segurança não acompanham as necessidades impostas por este rigoroso modelo de produção.
A partir daí os casos de adoecimentos e acidentes do trabalho ganham proporções preocupantes. Nossareportagem mostra o impacto gerado pela aprovação da NR 36 nas empresas de abate e processamento de carnes e derivados, os principais pontos da nova norma e as mudanças que deverão ocorrer para eliminar ou minimizar os riscos na atividade.
Foram necessários aproximadamente 10 anos de estudos e negociações, com base em registros de inspeções realizadas por auditores fiscais do Trabalho, denúncias de sindicatos, avanços científicos e pressão política, entre outros, para que o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) regulamentasse oficialmente uma norma específica para o setor. Assim, foi publicada no Diário Oficial da União de 19 de abril a Portaria nº 555, de 18 de abril, que cria a NR 36 - Segurança e Saúde no Trabalho em Empresas de Abate e Processamento de Carnes e Derivados (confira a Portaria a partir da página 52). O texto recentemente aprovado enumera 15 itens principais, que vão desde mobiliário e postos de trabalho até informações e treinamentos em SST, estabelecendo os requisitos mínimos para avaliar, controlar e monitorar os riscos na atividade.
Antes do advento da NR dos Frigoríficos, o setor contava apenas com uma Nota Técnica elaborada em 2004 pelo DSST (Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho), com mero valor recomendatório de boas práticas a serem adotadas pelas empresas na concepção e funcionamento do trabalho para preservar a saúde dos empregados. Também fornecia subsídios aos auditores fiscais para a implementação de ações nas diversas modalidades do segmento, considerando a relevância e a complexidade dos fatores de risco presentes na atividade de abate e processamento de carnes e derivados. Fruto de iniciativa conjunta do DSST e da Comissão Nacional de Ergonomia, a Nota Técnica era uma das ações que atendiam à necessidade de se desenvolver uma política nacional de prevenção aos Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho, que registravam alta prevalência neste ramo industrial.
A LER/DORT, ao lado dos transtornos psíquicos, constitui um dos grandes grupos de patologias que acometem os trabalhadores pela rotina desgastante nos frigoríficos, de acordo com o médico do Trabalho e membro da bancada dos trabalhadores no GTT (Grupo de Trabalho Tripartite) da NR 36, Roberto Ruiz. "A produção, em geral, é organizada a partir de uma esteira conhecida como nória, e o trabalhador ou a representação sindical não tem nenhuma possibilidade de influenciar no seu ritmo. A velocidade é decidida dentro dos escritórios e muitas vezes não leva em conta os limites psicofisiológicos humanos. É justamente aí que começa a doença ocupacional", argumenta
Abatendo a dor contínua
REPORTAGEM DE Jéssica Feiten
CAPA: MPT/PR
Longamente discutida e aguardada, a NR 36 desenha um cenário mais sadio e seguro ao estabelecer requisitos para a prevenção de riscos no setor de abate e processamento de carnes e derivados
Quando se analisam os números de produção e exportação de carnes, o panorama econômico do Brasil é altamente favorável. Líder exportador mundial, com 1,52 milhão de toneladas comercializadas somente no ano passado, segundo levantamento recente do USDA (United States Department of Agriculture), o país supera concorrentes como Índia e Austrália ocupando o topo do ranking. No mesmo período, bateu recorde de receita com US$ 5,77 bilhões, 6,8% a mais que o recorde anterior alcançado em 2008, aponta um cálculo da Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes). Até 2020, 44,5% da demanda de carnes em todo o mundo poderá ser suprida pela produção nacional, estima o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Os números são ainda mais impressionantes se for considerada a produção para consumo interno, uma vez que o volume exportado representa cerca de 25% do total produzido. Dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em março deste ano, mostram que no acumulado de 2012 foram abatidas 31,1 milhões de cabeças de bovinos, 35,9 milhões de suínos e 5,2 bilhões de unidades de frangos. A curva ascendente da produtividade é mais acentuada no comparativo entre 2003 e 2012: em um curto espaço de 10 anos, o abate de gado cresceu 44%; de porcos, 59,3% e de aves, 62,5%.
A pujança do segmento pode ser atribuída a inúmeros fatores. Alguns deles chamam atenção especialmente a partir da década de 2000, quando o Brasil se consolida como potência na produção e exportação de carnes. Investimentos em automação industrial, aceleração do ritmo de trabalho, baixo custo de mão de obra e a pressão cada vez maior por produtividade reconfiguram o processo industrial visando uma disputa de mercado feroz, sem, no entanto, prever a reorganização do trabalho dentro desta nova realidade. A atividade no setor que, por si só, já expunha o trabalhador a diversos riscos ocupacionais acaba se tornando muito mais prejudicial, na medida em que as cobranças aumentam e as ações de saúde e segurança não acompanham as necessidades impostas por este rigoroso modelo de produção.
A partir daí os casos de adoecimentos e acidentes do trabalho ganham proporções preocupantes. Nossareportagem mostra o impacto gerado pela aprovação da NR 36 nas empresas de abate e processamento de carnes e derivados, os principais pontos da nova norma e as mudanças que deverão ocorrer para eliminar ou minimizar os riscos na atividade.
Foram necessários aproximadamente 10 anos de estudos e negociações, com base em registros de inspeções realizadas por auditores fiscais do Trabalho, denúncias de sindicatos, avanços científicos e pressão política, entre outros, para que o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) regulamentasse oficialmente uma norma específica para o setor. Assim, foi publicada no Diário Oficial da União de 19 de abril a Portaria nº 555, de 18 de abril, que cria a NR 36 - Segurança e Saúde no Trabalho em Empresas de Abate e Processamento de Carnes e Derivados (confira a Portaria a partir da página 52). O texto recentemente aprovado enumera 15 itens principais, que vão desde mobiliário e postos de trabalho até informações e treinamentos em SST, estabelecendo os requisitos mínimos para avaliar, controlar e monitorar os riscos na atividade.
Antes do advento da NR dos Frigoríficos, o setor contava apenas com uma Nota Técnica elaborada em 2004 pelo DSST (Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho), com mero valor recomendatório de boas práticas a serem adotadas pelas empresas na concepção e funcionamento do trabalho para preservar a saúde dos empregados. Também fornecia subsídios aos auditores fiscais para a implementação de ações nas diversas modalidades do segmento, considerando a relevância e a complexidade dos fatores de risco presentes na atividade de abate e processamento de carnes e derivados. Fruto de iniciativa conjunta do DSST e da Comissão Nacional de Ergonomia, a Nota Técnica era uma das ações que atendiam à necessidade de se desenvolver uma política nacional de prevenção aos Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho, que registravam alta prevalência neste ramo industrial.
A LER/DORT, ao lado dos transtornos psíquicos, constitui um dos grandes grupos de patologias que acometem os trabalhadores pela rotina desgastante nos frigoríficos, de acordo com o médico do Trabalho e membro da bancada dos trabalhadores no GTT (Grupo de Trabalho Tripartite) da NR 36, Roberto Ruiz. "A produção, em geral, é organizada a partir de uma esteira conhecida como nória, e o trabalhador ou a representação sindical não tem nenhuma possibilidade de influenciar no seu ritmo. A velocidade é decidida dentro dos escritórios e muitas vezes não leva em conta os limites psicofisiológicos humanos. É justamente aí que começa a doença ocupacional", argumenta
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